"Por uma globalização mais humana", texto do geógrafo Milton Santos
A globalização é o estágio supremo
da internacionalização. O processo de intercâmbio entre países, que marcou o
desenvolvimento do capitalismo desde o período mercantil dos séculos 17 e 18,
expande-se com a industrialização, ganha novas bases com a grande indústria,
nos fins do século 19, e, agora, adquire mais intensidade, mais amplitude e
novas feições. O mundo inteiro torna-se envolvido em todo tipo de troca:
técnica, comercial, financeira, cultural.
Vivemos um novo período na história
da humanidade. A base dessa verdadeira revolução é o progresso técnico, obtido
em razão do desenvolvimento científico e baseado na importância obtida pela
tecnologia, a chamada ciência da produção.
Todo o planeta é praticamente
coberto por um único sistema técnico, tornado indispensável à produção e ao
intercâmbio e fundamento do consumo, em suas novas formas. Graças às novas técnicas, a
informação pode se difundir instantaneamente por todo o planeta, e o
conhecimento do que se passa em um lugar é possível em todos os pontos da
Terra.
A produção globalizada e a
informação globalizada permitem a emergência de um lucro em escala mundial,
buscado pelas firmas globais que constituem o verdadeiro motor da atividade
econômica. Tudo isso é movido por uma
concorrência superlativa entre os principais agentes econômicos - a
competitividade.
Num mundo assim transformado, todos
os lugares tendem a tornar-se globais, e o que acontece em qualquer ponto do
ecúmeno (parte habitada da Terra) tem relação com o acontece em todos os
demais.
Daí a ilusão de vivermos num mundo
sem fronteiras, uma aldeia global. Na realidade, as relações chamadas globais
são reservadas a um pequeno número de agentes, os grandes bancos e empresas
transnacionais, alguns Estados, as grandes organizações internacionais.
Infelizmente, o estágio atual da
globalização está produzindo ainda mais desigualdades. E, ao contrário do que
se esperava, crescem o desemprego, a pobreza, a fome, a insegurança do
cotidiano, num mundo que se fragmenta e onde se ampliam as fraturas sociais.
A droga, com sua enorme difusão,
constitui um dos grandes flagelos desta época.
O mundo parece, agora, girar sem
destino. É a chamada globalização perversa. Ela está sendo tanto mais perversa
porque as enormes possibilidades oferecidas pelas conquistas científicas e
técnicas não estão sendo adequadamente usadas.
Não cabe, todavia, perder a
esperança, porque os progressos técnicos obtidos neste fim de século 20, se
usados de uma outra maneira, bastariam para produzir muito mais alimentos do
que a população atual necessita e, aplicados à medicina, reduziriam drasticamente
as doenças e a mortalidade.
Um mundo solidário produzirá muitos
empregos, ampliando um intercâmbio pacífico entre os povos e eliminando a
belicosidade do processo competitivo, que todos os dias reduz a mão-de-obra. É
possível pensar na realização de um mundo de bem-estar, onde os homens serão
mais felizes, um outro tipo de globalização.
30/11/1995
Fonte: folha.com.br
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